WebRádio Trindade Santa: Paz inquieta

sábado, 30 de outubro de 2010

Paz inquieta


“Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e nem as portas do inferno prevalecerão contra ela”. Quando Nosso Senhor disse isso, tenho certeza de que sua intenção era a de dar-nos a serenidade diante das batalhas que a Igreja empreende ao longo dos séculos, tanto nas perseguições que sofre, quanto nos escândalos dos pecados daqueles dos quais se esperava o maior exemplo de fidelidade. Porém, o Senhor nunca quis ver o nosso coração acomodado com isso; saber que nem as portas do inferno prevalecerão sobre a Igreja não pode servir de desculpa para a mediocridade no exercício do grave dever de anunciar o Evangelho com tudo aquilo que temos e somos.

É com uma santa ironia que o Senhor nos diz em outra ocasião: “os filhos desse mundo são mais astutos em seus negócios do que os filhos da luz”. Atenção! Isso é uma provocação! Jesus está nos desafiando! Exatamente como fez aos fariseus, ao chamá-los de hipócritas, Ele agora nos provoca com sua ironia: “os filhos desse mundo empreendem esforços muito maiores, mais organizados e eficazes, para obterem benefícios bem pouco nobres, enquanto vocês, aos quais foi entregue uma missão muito mais sublime, fazem tudo com tão pouca inteligência e real empenho! Por detrás de uma aura de pretensa santidade, piedade e “boa vontade”, vocês pretendem esconder preguiça, descaso, enfim, sua odiosa má-vontade!

Eu continuamente me questiono: será que eu estou sendo um estúpido filho da luz? Um filho da luz abobalhado, acomodado, morno e repugnante ao meu Senhor, merecedor de sua ironia cortante e provocativa? Volta e meia tendo a me acomodar (esse odioso homem velho continua insistindo em meter-me na inércia…), mas meu Senhor não me deixa quieto. Quando olho pra cruz, não posso deixar de me recordar que cristianismo é coisa mais pra herói do que pra homem comum. Recordo-me que sou herdeiro na fé de homens dos quais o mundo não era digno, como disse o autor da carta aos hebreus, referindo-se a personalidades do Antigo Testamento, mas cuja expressão serviria perfeitamente para descrever aqueles que, só para citar um exemplo, durante as perseguições do império romano foram capazes de defender a fé com o custo da própria vida. Homens e mulheres de verdade, dos quais o mundo não era digno! Eles estão no céu, e continuam a obra da Igreja na sua intercessão incessante por nós, Igreja militante. E nós, o que fazemos por esta fé, outrora conquistada com tão alto custo, hoje em dia “mantida” de forma tão pusilânime?

Tenho que conter às vezes a indignação quando ouço alguém dizer que é católico não-praticante. Dá vontade de dizer aos berros: “deixe de palhaçada! Diga logo que você não é mais católico ou que nunca o foi de verdade! Você não tem idéia do que está dizendo!” É por causa desses e de outros pusilânimes que os que nos vêem de fora hoje já não nos admiram pelo testemunho de fé e de amor que dávamos nos primeiros séculos, mas nos olham com desprezo dizendo: “Está vendo? Mas também, qual a religião dele? Só podia ser católico…”. Olha que belo modelo estão tendo de católico!

Católico pra mim não é o idiota que não sabe o que dizer quando alguém lhe pergunta qual a sua religião. Não é o ser humano desequilibrado, que conseguiu esconder suas perversões durante o tempo de formação, e que agora serve de escândalo a meio mundo, ainda mais porque amplifica-se seus erros numa insistente campanha desmoralizatória, que não respeita sequer a lógica, que não permite inferir um juízo universal a partir de casos de uma evidente minoria. Não, isso não é ser católico e não foi pra isso que me tornei sacerdote. Católico é Santo Inácio de Antioquia, quando pediu que a comunidade de Roma não tentasse salvá-lo de ser devorado pelos leões, alegando ser esse o momento cume de sua vida, por tornar-se trigo de Cristo triturado pelos dentes das feras, dando nessa oportunidade o mais eloqüente testemunho do Evangelho em toda a sua vida! Católico é Thomas Morus: por causa de sua coerência de fé, esse competentíssimo servidor do rei Henrique VIII foi perseguido, preso e morto. Na prisão, aguardando julgamento, com a serenidade de quem é homem de verdade e honra o nome de seguidor de Cristo, escreve à filha cartas que são verdadeiros tesouros de sabedoria e santidade. Eu poderia escrever páginas e mais páginas, porque exemplos não faltam, no passado e no presente, de católicos de verdade. Mas creio que isto já deveria bastar. Aliás, a cruz de Cristo já bastaria, mas seus valentes seguidores não deixaram por menos. Pena que isso não vira notícia!

Está na hora de recordar a Quem servimos e seguimos. Está na hora de recordar de quem somos herdeiros. Isso vai nos dar paz, mas uma paz inquieta, a paz de quem não usa a esperança como pretexto para se acomodar, mas procura honrar a alcunha que leva.

Pe. Rodrigo Amaral

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